BLOG Pacientes-moradores do Allan Kardec deixam hospital para morar em ‘casas de verdade’

Pacientes-moradores do Allan Kardec deixam hospital para morar em ‘casas de verdade’

Publicado em 04/11/2021

Um café da manhã no recinto de eventos ao lado do Bosque Beija-Flor marcou a despedida de 50 moradores que deixaram a Fundação Allan Kardec para viver em uma “casa de verdade”, como eles mesmos chamam as Residências Terapêuticas. Os pacientes, com diagnósticos de esquizofrenia, autismo, dependência química ou deficiência física, passaram por tratamento no hospital psiquiátrico, receberam alta médica, mas, abandonados pela família na maioria dos casos, prolongaram a permanência na instituição por dois, dez e até cinquenta anos.

No total, o Allan Kardec cuidava de 104 pacientes-moradores e, em uma primeira etapa, iniciada em dezembro de 2019, metade deles foi transferida pela Fundação para cinco Residências Terapêuticas instaladas em Franca no Bairro Cidade Nova, Vila Santa Cruz, Jardim Ângela Rosa, Vila Nicácio e Jardim Consolação. Duas são femininas e três masculinas, com dez moradores cada.

As casas funcionam como se fossem repúblicas espalhadas pela cidade e eles têm assistência 24 horas de um cuidador social e técnico de enfermagem, além de atendimento complementar com psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e enfermeira.



Como em uma casa de verdade, participam das atividades domésticas, como limpar o chão, lavar louças ou regar as plantas e, na busca de retomar as vivências cotidianas e aproveitar a liberdade fora do hospital psiquiátrico, fazem passeios ao shopping, Poliesportivo e Parque “Fernando Costa” e se distraem em atividades artísticas, por exemplo, como a da pintura de um quadro com o nome de das residências, batizadas por eles mesmos: Casa Renascer, das Rosas, do Bem-Te-Vi, da Felicidade e das Borboletas.

Os moradores continuam sendo assistidos pela Fundação Allan Kardec no Caps (Centro de Assistência Psicossocial) e nas Oficinas Inspiração, do projeto de Desenvolvimento Humano, em que eles trabalham com reciclagem de eletrônicos, cultivo de hortaliças e frutas e costura artesanal com couro.

“A gente cuida muito bem deles no hospital, mas no hospital não é lugar de morar. Nas casas, eles conquistam autonomia, uma autonomia assistida, mas ganham liberdade, porque, quando institucionalizados, existem regras para seguirem. Nas residências, eles podem escolher o que querem comer, a música que querem ouvir, é um ganho de qualidade de vida enorme”, afirmou Mario Arias Martinez, presidente do Allan Kardec.

Balanço
O programa de Residências Terapêuticas começou em Franca há quase dois anos e os resultados são muito positivos. Neste período, houve apenas um caso de reinternação, o que comprova os benefícios à saúde mental dos pacientes. “O ganho na qualidade de vida deles é evidente. Viver nas residências modifica muito a perspectiva de tratamento dessas pessoas”, disse Fernando Palermo Faleiros, vice-presidente da instituição.

O sorriso largo da Márcia Regina, de 59 anos, moradora da Casa das Rosas dá dimensão do bem-estar e alegria que sente em seu novo lar. Ela conta que se mudou para Franca para trabalhar, mas perdeu contato com os familiares e passou a morar na rua, de onde foi resgatada e encaminhada para o Hospital Psiquiátrico Allan Kardec.

Com diagnóstico de esquizofrenia, morou 14 anos lá até se mudar para a residência em dezembro de 2019.

“Minha família falou que ia me buscar, mas não voltou mais. Estou achando muito bom morar aqui na casa, gosto de todos, amo todo mundo, todas as tias, as irmãs, porque eu considero como minhas irmãs, são todas lindas. Sou muito mais feliz hoje”, comemorou ela.




Elizângela Aparecida, de 42 anos, mora na mesma casa de Márcia e também se sente mais feliz. “Todos me tratam bem, recebo muito amor aqui. É um lugar bom para ficar. Aqui é melhor porque é uma casa de verdade, não é hospital, tenho o meu quarto, tem uma TV para eu me distrair até dormir, posso dizer que sou mais feliz hoje.”

Segundo ela, a ex-companheira a queimou com cola quente durante uma discussão e ela entrou em coma. O caso foi tratado como tentativa de suicídio e, após alta do hospital comum, Elizângela foi internada no Allan Kardec, onde permaneceu de 2017 a 2019.

Parceria
O programa de Residências Terapêuticas é desenvolvido a partir da parceria da Fundação Allan Kardec, Fundação Espírita Judas Iscariotes, que gerencia as unidades, e o Poder Público. A Prefeitura e o governo federal repassam o valor mensal de R$ 3.583,94 per capita para o atendimento aos moradores.

“Temos feito um trabalho mais amplo. A política prevê que os moradores sejam atendidos por um técnico de enfermagem e cuidadores, mas oferecemos uma equipe complementar para qualificar o serviço com atendimento psicológico, de fisioterapia, terapia ocupacional, desenvolvendo atividades importantes com esses moradores”, informou o psicólogo e assistente social Bruno Bérgamo Florentino, coordenador das Residências Terapêuticas.

Outros pacientes que moram no Allan Kardec atualmente aguardam a abertura de novas residências terapêuticas para terem experiências semelhantes. A expectativa é abrir mais cinco unidades em Franca.

“O hospital é lugar para se cuidar, não para morar. E a residência é uma moradia, preparada para isso. A desinstitucionalização é importante e, na saúde mental, precisa ser vista e encarada como necessidade. Sempre vai haver necessidade de internação, mas as pessoas que já foram tratadas, estabilizadas e estão de alta têm o direito de deixar o hospital. Isso, do ponto de vista humano, é muito bom”, afirmou Cloves Plácido Barbosa, presidente Fundação Espírita Judas Iscariotes.



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